A aparição de vozes internas na Renamo, tais como Manuel de Araújo, Venâncio Mondlane e Billal Sulay, a contestar as declarações do porta-voz, José Manteigas, segundo as quais apenas o actual presidente deste partido tem perfil para candidatar-se às eleições presidenciais de 9 de Outubro, pode ter servido de freio para a pretensão de impor Ossufo Momade como candidato, violando os Estatutos da Renamo e os princípios democráticos.
Outrossim, o crescente número de vozes da sociedade civil e da sociedade, em geral, que defendem que decisões como essas, nos partidos políticos, são passíveis de impugnação por cidadãos que não são necessariamente membros da Renamo, com fundamento na ideia de que a democracia interna nos partidos políticos interfere na democraticidade da sociedade, aponta para o recurso a vias democráticas para se encontrar o presidente da Renamo e/ ou candidato a Presidência da República por este partido.
A seguir às declarações de José Manteigas, que mais se parecem com uma encomenda de Ossufo Momade e de pessoas próximas a si, possivelmente com o objectivo de medir as águas e tentar a sorte de manter o poder sem grande oposição interna, Manuel de Araújo (edil de Quelimane e membro do Conselho Nacional), Venâncio Mondlane (deputado e cabeça-de-lista nas eleições autárquicas, em Maputo) e Billal Sulay (filho de Afonso Dhlakama, o falecido líder histórico da Renamo) insurgiram-se contra o plano de se passar por cima dos Estatutos da “perdiz” para acomodar o desejo de um grupo de forçar a candidatura de Ossufo Momade à presidência da Renamo.
Os três membros da Renamo consideraram as declarações de José Manteigas de irregulares e ilegais e apelaram à intervenção do Conselho Jurisdicional da Renamo para eventual sanção ao porta-voz.
Através de um documento denominado “Carta aberta ao Líder da RENAMO”, Billal Sulay, que no fundo pode estar a representar uma ala da Renamo, sobretudo das pessoas próximas ao seu falecido pai que com a ascensão ao poder de Ossufo Momade foram afastadas dos órgãos de gestão diária da Renamo, apelou ao presidente da Renamo para respeitar os processos democráticos.
No referido documento, Billal Sulay diz que é crucial “seguir os processos democráticos e as normas do nosso partido”.
“O congresso é o local apropriado para que os membros expressem suas opiniões e vo- tem democraticamente no candidato que acreditam ser o melhor representante do nosso partido nas eleições”, disse.
Segundo Billal Sulay, ao se candidatar sem passar por esse processo, corre-se o risco de minar a confiança dos membros do partido e a legitimidade do candidato escolhido. “Além disso, isso poderia criar divisões internas prejudiciais à nossa unidade e ao nosso sucesso nas eleições”, acrescentou.
Um grupo de jovens manifestou-se defronte das instalações do gabinete de Ossufo Momade enquanto segundo candidato mais votado com assento parlamentar, mas foi compulsivamente4 afastado pela segurança de Ossufo Momade, lembrando a actuação violenta da Polícia da República de Moçambique em manifestações populares.
Depois destes eventos, não houve qualquer registo de membros da actual direcção da Renamo que tenha aparecido, pelo menos, em público a defender a ilegalidade anuncia- da por José Manteigas.
Tudo indica que os apoiantes da violação dos Estatutos da Renamo e dos princípios democráticos estão encurralados, o que abre caminho para recurso aos órgãos deste partido para se encontrar o presidente da Renamo, tendo em atenção que o mandato de Ossufo Momade deve terminar na próxima semana , e o candidato deste partido para as eleições presidenciais. Ossufo Momade dirige a Renamo desde Janeiro de 2018.
Democracia interna interfere na democraticidade da sociedade
O aparente recuo dos apoiantes de Ossufo Momade verifica-se num contexto em que há vozes na sociedade que defendem a ideia de que decisões tão importantes como essas, dentro dos partidos políticos, são passíveis de impugnação por cidadãos, com fundamento na ideia de que a democracia interna, no seio dos partidos políticos,interfere na democraticidade da sociedade, ou seja, a percepção que os cidadãos têm do nível de democracia nos partidos políticos vai impactar na democracia enquanto sistema.
No seio da sociedade civil e da sociedade, no geral, há segmentos que veem no recurso aos tribunais uma saída para a resolução de conflitos decorrentes de falta de democracia interna nos partidos políticos. Sem discutir a qualidade dos sujeitos e a rácio por detrás da iniciativa, em Angola, um país irmão de Moçambique, houve recurso aos tribunais para se tentar dar resposta a um problema interno na União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o maior partido da oposição em Angola e com um passado de guerrilha como a Renamo. A eleição de Adalberto Costa Júnior ao cargo de presidente da UNITA, em 2019, foi alvo de um processo de impugnação6 junto do Tribunal Constitucional de Angola, alegadamente por supostas irregularidades registadas no congresso, nomeadamente de que Adalberto Costa Júnior teria concorrido à liderança da UNITA sem renunciar à nacionalidade portuguesa.
Este tipo de prerrogativas não deve ser visto como instrumentos de uso exclusivo dos membros dos partidos políticos.
Cidadãos estranhos aos partidos políticos podem impugnar decisões de partidos políticos, tendo em conta que, quando os partidos políticos decidem entrar para uma corrida eleitoral, querem gerir recursos públicos. Quando Ossufo Momade diz que quer concorrer à Presidência da República, significa que quer gerir o bem comum e, nesse sentido, é importante que o processo que o pode conduzir à gestão da coisa pública esteja em conformidade com os estatutos e com as leis em vigor na República de Moçambique.
Os Estatutos da Renamo de- terminam no artigo 17 que o Congresso é o órgão máximo da Renamo, que, nos termos do artigo 19, de entre várias competências, elege o presidente do partido. No intervalo entre os congressos, o órgão deliberati-vo da Renamo é o Conselho Nacional. Ora, anunciar que Momade é candidato sem a decisão dos órgãos não é democrático e viola os Estatutos da Renamo. Ossufo Momade deve ser eleito presidente da Renamo e esperar ser legitimado pelos órgãos do partido como candidato às presidenciais. O anúncio feito por José Manteigas também viola princípios da Constituição da República de Moçambique. O nº 1 do artigo 75 da CRM determina que os partidos políticos são vinculados aos princípios consagrados na Constituição e na lei. Nos termos do número 2 do artigo 74 da CRM, a estrutura interna e o funcionamento dos partidos políticos devem ser democráticos. A falta de democracia na candidatura à presidência da Renamo, bem como à Presidência da República, viola de forma grosseira a CRM. (CDD)