Uma nova investigação exclusiva da WaterAid revela que milhões de pessoas que vivem na pobreza no mundo inteiro têm sofrido com uma “inversão abrupta do risco climático” desde o início do século. Esta iniciativa surge num momento crucial, em que os líderes mundiais se preparam para se reunirem no Dubai para a COP28, dentro de duas semanas.
Segundo investigação feita pela WaterAid novos dados mostram que o clima na área do Grande Maputo sofreu uma grande variação nos últimos 40 anos, com secas prolongadas intercaladas com cheias.
Com recursos a Imagens de satélite de última geração demonstram como as comunidades estão expostas a um duplo flagelo de cheias e secas. São histórias da vida real de pessoas que enfrentam estes dois extremos. A análise dos dados climáticos divulgada pela WaterAid e pelas Universidades de Cardiff e Bristol conclui que, por acção de um “golpe” de pressões climáticas extremas, as áreas que costumavam sofrer secas frequentes são agora mais propensas a cheias frequentes, enquanto outras regiões historicamente propensas a cheias sofrem agora secas mais frequentes — com um efeito devastador nas comunidades destas regiões.
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A investigação inovadora examinou a frequência e a magnitude dos riscos de cheias e secas ao longo dos últimos 41 anos em locais de seis países nos quais a WaterAid trabalha: Paquistão, Etiópia, Uganda, Burquina Faso, Gana e Moçambique, acrescentando a Itália como comparação europeia, para que se considere o facto de os impactos das mudanças climáticas não discriminarem por região.
Quanto a Moçambique, a investigação realizada em torno da área de Boane, na área do Grande Maputo (como ilustrado nas imagens acima), mostrou que a região é altamente variável, caracterizada por períodos de seca prolongados intercalados com períodos húmidos com probabilidade de cheias, incluindo este ano. Os períodos de seca parecem durar mais tempo do que os húmidos e o número de meses secos aumentou ligeiramente entre 1982-2002 e 2003-2023, enquanto o número de meses húmidos diminuiu dois terços.
Em contrapartida, a região de Shabelle, no sul da Etiópia, que entre 1980 e 2000 registou inúmeros períodos de cheias, mostra agora uma viragem para a seca prolongada e rigorosa. O rio Shabelle, mais seco — e uma importante fonte de água para a Somália — passou recentemente pelas piores condições de seca no Corno de África, mas terminou com uma grande cheia em Abril deste ano.
As comunidades expostas a estas condições extremas estão, muitas vezes, mal preparadas para as enfrentar. A WaterAid adverte que não intervir no âmbito da adaptação às mudanças climáticas na COP28 pode condenar as pessoas das áreas mais afectadas a uma pobreza enraizada, deslocações territoriais, doenças e, potencialmente, até conflitos, uma vez que as questões que conduzem à escassez de água e alimentos são agravadas pelas condições climáticas extremas catastróficas e intercaladas.
Nas últimas duas décadas, as áreas do Paquistão, Burquina Faso e norte do Gana — normalmente associadas a condições mais quentes e secas — passaram a ser cada vez mais húmidas e propensas a cheias.
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A WaterAid adverte que não actuar no âmbito da adaptação às mudanças climáticas na COP28 resultará em consequências catastróficas.
O Director-Executivo da WaterAid, Tim Wainwright, afirmou que “a crise climática é uma crise hídrica e, tal como mostra a nossa investigação actualmente, o nosso clima está a tornar-se cada vez mais imprevisível, com consequências devastadoras.
Desde terras agrícolas atingidas pela seca a povoações devastadas pelas cheias, as comunidades do Paquistão, Burquina Faso, Gana e Etiópia estão a sofrer os efeitos alarmantes do golpe climático; o Uganda está a sofrer cheias cada vez mais catastróficas e Moçambique uma mistura caótica de ambas as condições extremas.
Embora todos paguemos um preço pelo stress hídrico global, são os que vivem na linha da frente da crise climática que o estão a pagar agora — as suas vidas estão em risco.
Faltam apenas duas semanas para a COP28 e esta não pode ser mais uma cimeira em que a adaptação às mudanças climáticas é posta de lado. Os nossos dirigentes têm de reconhecer a urgência e dar prioridade ao investimento em sistemas hídricos robustos e resilientes.” Disse Wainwright
Para as comunidades que vivem na linha da frente destas “inversões abruptas dos riscos climáticos”, as consequências são devastadoras — dizimando colheitas e meios de subsistência, danificando infra-estruturas de abastecimento de água, muitas vezes frágeis, interrompendo os serviços de abastecimento de água e expondo as pessoas a doenças e à morte.
Ainda relativamente a Moçambique, segundo investigação esta refere que nas zonas altamente urbanizadas em torno da capital, Maputo, os dados mostram que a situação é muito variável, caracterizada por períodos de seca prolongados intercalados com cheias.
O aluno Kiequer, de 14 anos, cujos pais estão agora a trabalhar na África do Sul, foi obrigado a mudar-se para um centro de reassentamento com a tia, depois de a sua casa ter ficado danificada pelas cheias. Actualmente, enfrentam o problema oposto de falta de água, com longas filas de espera no poço ou água da canalização comercial dispendiosa que não podem pagar.
Impactos a longo prazo
“As cheias afectaram muito a minha educação. Os meus conhecimentos académicos foram-se com a água. Fiquei traumatizado com aquela chuva de Fevereiro. Quando o céu fica nublado, fico sempre com medo. Acho que aquele dia de cheias nunca sairá da minha mente.”
“O nosso País é altamente vulnerável aos impactos das mudanças climáticas, muitos dos quais se experimentam através da água durante secas prolongadas ou tempestades e chuvas intensas mais frequentes. Estes impactos são também ligados à saúde pública como vimos, este ano, aquando da passagem do ciclone Freddy que agravou um surto de cólera que já estava em curso. Apesar de não contribuir muito em termos de emissões globais, Moçambique está na linha da frente em termos do impacto das mudanças climáticas. Esta injustiça tem que ser abordado na COP-28 para facilitar a abertura de mais fundos de adaptação, para países como Moçambique investirem em serviços resilientes de água e saneamento” Disse Adam Garley, Director da WaterAid Moçambique
No Uganda, os dados revelam que Mbale, uma região a oriente situada à sombra do Monte Elgon, está também a mostrar uma tendência significativa para condições muito mais húmidas, como demonstrado pelas cheias sem precedentes dos últimos três anos. Para o professor primário reformado Okecho Opondo, de 70 anos, a alteração dos padrões climáticos está a causar enormes problemas.
“Estamos extremamente confusos. Os meses que eram chuvosos agora são secos. Quando as chuvas chegam, podem ser curtas, mas intensas, provocando cheias. Noutras ocasiões, os períodos de chuva são demasiado longos, levando à destruição de infra-estruturas e colheitas. Além disso, os períodos de seca podem ser muito longos, o que conduz ainda mais à destruição das colheitas e à fome.”
Rose, uma mãe de três filhos com

28 anos, explica o impacto das cheias no abastecimento de água local:
“Na nossa aldeia temos dois furos de água. Durante as estações chuvosas, o primeiro furo de água está sempre coberto de lama que vem com a água a montante, o que afecta ainda mais a qualidade da água. Por vezes, as pessoas ficam doentes depois de beberem a água dos furos; houve uma altura em que os profissionais de saúde nos aconselharam a deixar de beber a água de ambos os furos durante seis meses.”
Duas medidas que a comunidade local tentou adoptar para atenuar a incerteza climática foram a plantação de sebes à volta das suas culturas a fim de ajudar a evitar a erosão do solo e a deslocação das latrinas para bem longe de potenciais zonas propensas a cheias. Uma pessoa sugeriu a plantação de florestas de bambu nas encostas do vizinho Monte Elgon para tentar evitar deslizamentos de terras.
O Professor Michael Singer, da Escola de Ciências da Terra e do Ambiente da Universidade de Cardiff, que liderou a investigação, advertiu que estes fenómenos climáticos não se limitam apenas a estes países:
“O mais dramático é que descobrimos que muitos locais estão a sofrer alterações significativas no clima predominante. Especificamente, muitos dos nossos locais de estudo sofreram uma inversão do risco, passando de propensos a secas para propensos a cheias ou vice-versa.
Embora o âmbito deste estudo se tenha limitado a um punhado de países e a locais específicos dentro dos mesmos, acreditamos que o risco de cheias e, de um modo mais geral, as alterações na frequência e magnitude dos riscos de cheias e secas, são algo que a maior parte dos locais do planeta terá de enfrentar.
Compreendemos que as mudanças climáticas não conduzirão a uma alteração monolítica dos riscos climáticos, apesar do aumento global das temperaturas. Pelo contrário, o perfil de risco de qualquer região é susceptível de mudar de forma imprevisível. Estes factores devem ser tidos em conta no sentido de apoiar a adaptação às mudanças climáticas em prol das vidas e meios de subsistência dos seres humanos em todo o mundo.”
Desde a protecção contra as cheias até às medidas de resistência à seca — existem soluções de adaptação, mas não se está a fazer o suficiente para nos prepararmos para este futuro. Aumentar e optimizar os investimentos relacionados com a água em países de baixo e médio rendimento não só
salvará vidas, como também aumentará a prosperidade económica — com a análise a sugerir que é possível gerar pelo menos 500 mil milhões de dólares por ano em valor económico.
A WaterAid apela os líderes mundiais na COP28 deste ano para que dêem prioridade à água potável, ao saneamento adequado e à boa higiene como uma componente fundamental dos programas de adaptação às alterações climáticas, bem como para que aumentem rapidamente o investimento na segurança da água em países de baixo e médio rendimento:
- Até 2025, os países de alto rendimento devem mais do que duplicar o seu financiamento público para a adaptação em relação aos níveis de 2019 e fazer corresponder os montantes do financiamento climático ao financiamento da atenuação.
- Os governos, as instituições financeiras e o sector privado dos países de alto rendimento devem disponibilizar pelo menos 500 milhões de libras para um total de 5 a 10 mil milhões de libras necessários para a segurança da água nos próximos 4 anos.
Tim Wainwright conclui que este é um apelo aos líderes mundiais para que actuem agora ou estarão a colocar a vida de milhões de pessoas em risco.
“Para as pessoas mais vulneráveis do mundo, esta é uma questão de vida ou morte. Não podemos deixar que as alterações climáticas destruam o futuro das pessoas.” (Moz24h)