Os controversos planos de endividamento da Hidroelétrica de Cahora Bassa (HCB) continuam no topo da lista de preocupações dos moçambicanos. Aliás, a necessidade de fazer um acompanhamento mais próximo das dívidas multimilionárias tornou-se ainda mais crítico com a ratificação, em inícios do mês passado, dos contratos de empréstimo durante a última assembleia-geral ordinária da empresa, a mesma que tornou Tomás Matola o “herdeiro” das referidas dívidas.
Trata-se de 225 milhões de euros de crédito disponibilizados pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), juntamente com uma doação de 22 milhões de euros da União Europeia (UE). No total, cerca de 247 milhões de euros, perto de 49% dos 507 milhões de euros que a empresa alegadamente pretende em investimento para projectos estruturantes de modernização do seu sistema de produção de eletricidade. conforme destacamos em publicações anteriores feitas em inícios de Janeiro, num primeiro momento, as dívidas em causa foram caracterizadas por um certo “secretismo”, com a empresa apostando
Com efeito, meses depois de terem sido rubrica- dos os acordos de financiamento, não se encontrava na página oficial da empresa nenhuma informação sobre os pacotes de empréstimo em causa, sua racionalidade, nem como afectariam a situação financeira da empresa e os rendimentos do Estado e dos moçambicanos na qualidade de accionistas.
O “sigilo” mantido em torno do crédito de 225 milhões de euros e o timing (político) dos planos de endividamento da empresa imediatamente levantaram preocupações sobre os possíveis impactos da “corrida” ao endividamento na saúde financeira da empresa e o iminente risco de “desvios” de aplicação. Uma preocupação legítima considerando que, conforme foi confirmado pelo então PCA da empresa, Boavida Muhambe, reagindo à publicação do CDD3 , os créditos mobilizados surgem como “segurança ou backup”: não há um sentido de urgência na aplicação dos financiamentos ora ratificados.
Embora ainda não se tenha pronunciado sobre o assunto, o novo conselho de administração da empresa, liderado pelo banqueiro e antigo Presidente da Comissão Executiva do Banco Nacional de Investimentos (BNI), Tomás Matola, assume as rédeas num momento em que a HCB se prepara para abrir um novo capítulo na sua história, marcado por mudança sem precedentes na sua estrutura de capital.
Partindo de uma situação de consolidação da sua solidez financeira e menor dependência de recursos alheios, a empresa deverá experimentar uma deterioração assinalada da sua autonomia financeira e um aumento exponencial do seu grau de endividamento que, até o exercício económico de 2022, esteve em torno de 4% do capital total da empresa.
A par dos ganhos de eficiência resultantes do programa de modernização do sistema de produção de eletricidade daquele que se posiciona como o segundo maior complexo hidroelétrico de África e um dos maiores do mundo, também são expectáveis importantes “sacrifícios” face à acumulação de níveis de elevados níveis de endividamento. Além de comprometer a empresa com uma série de pagamentos por muitos anos, as novas dívidas multimilionárias deverão ainda implicar um aumento considerável do seu risco financeiro e incremento da exposição do Estado aos riscos fiscais por via do Sector Empresarial do Estado (SEE)
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De igual forma, augura-se um período de potenciais baixos retornos, sobretudo ao longo dos primeiros anos de implementação dos projectos de modernização. Baixos retornos não só para o Estado, que é o maior accionista, mas também para o público que adquiriu os 4% das acções da empresa através da Oferta Pública de Venda (OPV) de Julho de 2019. Ainda vai levar algum tempo para que o valor ainda irrisório de cerca de 0,156 meticais por acção que os moçambicanos recebem pela sua participação na empresa conheça uma tendência crescente.
Conforme se pode depreender, os endividamentos multimilionários da HCB têm repercussões que vão além da própria empresa. É neste contexto que os moçambicanos, mormente aqueles com acções na empresa, têm a importante missão de, através de um maior escrutínio, a exigência de maior transparência e prestação de contas, assegurar que os créditos sejam, efectivamente, utilizados seguindo as “boas práticas de gestão”.
Só assim será possível evitar que este seja apenas mais um endividamento improdutivo ao nível do SEE.(CDD)