O empreendedorismo é tido como uma pedra angular para o surgimento e desenvolvimento de Pequenas e Médias Empresas (PME), que desempenham um papel fundamental em diversas esferas da sociedade e da economia, tornando-se num elemento crucial em muitos aspectos.
Em Moçambique, o empreendedorismo tem estado a ganhar mais espaço, principalmente na camada juvenil, que vê na actividade empreendedora uma forma de ganhar algum rendimento, uma vez que o emprego no território nacional ainda constitui um grande desafio, pois o mercado não consegue absorver todos os jovens que procuram emprego.
Mas empreender não tem sido uma actividade fácil em Moçambique, principalmente para os jovens, pois muitas reclamações são feitas pelos mesmos no que concerne ao ambiente de negócios. Com vista a mergulhar nas profundezas das inquietações e possíveis soluções para o empreendedorismo juvenil no País, o DE conversou com alguns empreendedores que defendem a necessidade de melhorias profundas para a emancipação dos jovens no mundo de negócios.
“Começo por dizer que o processo de legalização de empresas no País é complicado e demorado, desmotivando muitos jovens, ou seja, há uma burocracia desnecessária. Ademais, a juventude carece de formação específica em gestão empresarial e de negócios, o que dificulta a administração eficiente das suas startups”, começou por explicar Vasco Cossa, jovem empreendedor que criou, junto dos seus colegas, um sistema que produz gás com recurso a estercos de galinha. E destacou: “em termos de infra-estrutura e tecnologia, verifica-se um acesso condicionado a infra-estruturas modernas e a tecnologias avançadas, o que limita a competitividade das empresas jovens. Os jovens também precisam de uma rede sólida de contactos e de mentores para a obtenção de conselhos e apoio necessários para o crescimento empresarial”.
Quem concorda com este posicionamento é o empreendedor e estilista Nivaldo Thierry, que conta a sua experiência: “também encontrei desafios relacionados com a infra-estrutura e o acesso a tecnologias avançadas, que são essenciais para inovar e competir no mercado global. Além disso, a falta de formação especializada e mentoria limita a capacidade dos jovens de gerir os seus negócios de forma eficaz”. E sublinhou: “no entanto, com perseverança e a ajuda de algumas iniciativas locais, consegui superar esses obstáculos e estabelecer a minha marca”.
Por sua vez, Eduardo Sithole, empreendedor e fundador da GENESIS – Comércio & Serviços, explica que “a falta de conhecimento e experiência tem dificultado os jovens empreendedores, principalmente os emergentes, a competirem ao mesmo nível no mercado com os outros mais antigos e bem estruturados”.
A fonte apontou a corrupção como um outro entrave, pois “os empreendedores que participam em concursos são, geralmente, esmagados porque há quem já fechou a oportunidade pelo seu poder financeiro, o que frustra os jovens devido à falta do fair play”.
Acesso ao financiamento
O tema sobre o acesso ao financiamento é discutido até pelas empresas bem consolidadas no mercado nacional. Porém, não deixa de ser uma preocupação juvenil a ser destacada no ramo do empreendedorismo.
“Conseguir crédito ou financiamento em Moçambique é, infelizmente, bastante difícil para a maioria dos empreendedores, especialmente os jovens. Existem vários factores que contribuem para essa dificuldade: por exemplo, temos as exigências das instituições financeiras que são muitas vezes altas, incluindo garantias que muitos jovens não possuem”, constatou Nivaldo Thiery, que acrescenta: “além disso, há uma certa desconfiança dos bancos em relação aos negócios iniciados por jovens, devido à falta de histórico de crédito e experiência no mercado. A burocracia envolvida no processo de solicitação de crédito também é um grande obstáculo, tornando o processo longo e complicado”.
Esta constatação é também partilhada por Vasco Cossa, que considera que “os principais desafios no acesso ao financiamento incluem a falta de garantias exigidas pelos bancos e altas taxas de juros. As instituições financeiras muitas vezes consideram os jovens empreendedores como de alto risco”.
Que alternativas propõe? Cossa aponta para os fundos de investimento, incubadoras e aceleradoras de negócios que estão a surgir como possíveis soluções, embora ainda não sejam amplamente acessíveis ou conhecidas por todos os jovens empreendedores. “Mas, mesmo assim, há uma ligeira desconfiança nos critérios de atribuição desses fundos aos jovens (há quem diga que há favoritismos e conflitos de interesse). Por isso eu, em particular, tento procurar fundos internacionais, pois considero-os mais transparentes e confiáveis”, explanou.
De que forma o Governo pode ajudar?
Para Eduardo Sithole, o Executivo pode ajudar a classe empreendedora juvenil começando do mais básico que é garantir que a educação fundamental seja universal, satisfazendo as necessidades básicas de aprendizagem de todas as crianças e adolescentes, pois, se todas as pessoas tiverem acesso a uma educação de qualidade, também terão mais chances de se desenvolverem e de aprimorarem as suas habilitações.
“O Governo devia também desburocratizar o processo de financiamento por via de políticas que facilitassem o acesso aos jovens. Há necessidade de se melhorar as infra-estruturas, especificamente a Estrada Nacional Número 1 (N1), pois este é o principal canal que dá acesso aos vários pontos do País”, recomendou Sithole, destacando que “através da Secretaria de Estado da Juventude e Emprego (SEJE), o Governo deveria rever alguns programas já em exercício, tais como o ‘Meu Kit, Meu Emprego’, Fundo de Apoio as Iniciativas Juvenis (FAIJ) e EMPREGA, e examinar o nível de resultados, não em termos quantitativos mas qualitativos. Ademais, para combater a pobreza no seio da juventude e fomentar a actividade empreendedora, é importante que o Governo leve a sério a corrupção nas instituições do Estado, principalmente nas Unidades Gestoras e Executoras das Aquisições (UGEA)”.
Já Nivaldo Thierry explica que o Governo pode ajudar através da criação de incubadoras de empresas e espaços de co-working, onde se pode proporcionar um ambiente colaborativo entre os jovens empreendedores para poderem crescer e trocar experiências.
“O Executivo também pode incentivar parcerias entre o sector público e privado, promovendo iniciativas que apoiem o desenvolvimento de startups e novos negócios. Outro ponto importante é a melhoria da infra-estrutura tecnológica, para garantir que os jovens tenham acesso a ferramentas e recursos necessários para inovar e competir no mercado global”, disse o estilista.
Recomendações da Associação Nacional dos Jovens Empreendedores
Durante a 19.ª edição da Conferência Anual do Sector Privado (CASP), o empresário e presidente da Associação Nacional dos Jovens Empresários (ANJE), Lineu Candieiro, debruçou-se sobre os desafios dos jovens empresários em Moçambique, apresentando soluções para os problemas que afectam o sector.
“O primeiro ponto que trago aqui tem que ver com a redução dos impostos. Como se tem dito, há vários impostos que até já virou ‘moda’ dizer que existem taxas e taxinhas. Há a necessidade de se discutir quais são os impostos que as empresas devem pagar, porque, no final do dia, nós, empresários, sentimo-nos sócios do Governo. Então, não podemos ser um sócio com dificuldades e complexidades para pagar os impostos”, começou por explicar o presidente da ANJE, para depois acrescentar: “o segundo ponto tem que ver com os incentivos fiscais para investimentos. O Governo deve oferecer créditos fiscais às empresas que investem em novos equipamentos, tecnologias e infra-estruturas para encorajar o crescimento e a expansão de negócios”.
Lineu Candieiro referiu-se ao terceiro ponto, centrado no desenvolvimento de zonas económicas especiais. “É imperioso criar zonas especiais com benefícios fiscais e regulatórios específicos. Está já a ser feito um bom trabalho nesse sentido, pois temos algumas zonas especiais, em que a questão da competitividade é muito mais abrangente, mas creio que muito mais pode ainda ser feito”, apontou.
Um estudo intitulado “A Situação Socioeconómica da Juventude em Moçambique” do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), tornado público em Junho de 2023, dá-nos uma radiografia sobre a situação da juventude moçambicana, reconhecendo que o “aumento da oferta de postos de emprego não é suficiente para materializar o Dividendo Demográfico – tem como base a possibilidade de obter vantagens económicas a partir da transformação da estrutura etária jovem combinada com intervenções políticas”.
O estudo aponta que em Moçambique, a percentagem da População Economicamente Activa (PEA) em 2017 foi estimada em 58%. “A maioria da força de trabalho, além de ser constituída por jovens abaixo dos 35 anos, está empregada no sector primário, concretamente em actividades relacionadas com a agricultura, silvicultura, pesca e extracção mineira. Aproximadamente 66,8% da força de trabalho exerce a actividade nestes ramos. O sector terciário absorve 12,9% da força de trabalho enquanto o secundário 4,5%. Outros serviços e actividades desconhecidas tem proporções na ordem dos 7% e 8%, respectivamente. Neste contexto, onde a maior parte da mão-de-obra está concentrada no sector primário, a diversificação da economia deve ser a grande prioridade (INE 2019)”, lê-se no documento.
Com estes dados, reconhece-se que o empreendedorismo pode desempenhar um papel fundamental na inclusão dos jovens no mundo do trabalho, permitindo-lhes gerar rendimentos para sustentar as suas famílias, pois o mercado de emprego está afinado para os tantos jovens que se encontram desempregados. (DE)