A Assembleia da República (AR) reúne-se em Sessão Extraordinária convocada 1 para 24 de Janeiro para, de entre vários pontos, proceder a alteração do n.° 3 do artigo 37 e do n.° 1 do artigo 38, ambos da Lei n.° 4/2019, de 31 de Maio, que estabelece os princípios, as normas de organização, as competências e o funcionamento dos órgãos executivos de governação descentralizada provincial.
O objectivo da reforma é alterar o modo de substituição do governa-dor da província em caso de impedimento permanente. A actual lei prevê que perante impedimento permanente, nomea damente por morte, doença prolongada, incapacidade permanente, perda de mandato ou demissão, o governador de província é substituído pelo segundo na lista sufragada pelos eleitores.
A Frelimo quer alterar esse modelo para o governador passar a ser substituído por um membro da Assembleia Provincial a ser indicado pela lista do partido vencedor, o que representa um retrocesso democrático, na medida em que a vontade popular deixa de ser respeitada para prevalecer a vontade partidária. Quando os cidadãos vão votar, fazem-no tendo em conta a ordem dos nomes constantes da lista, na expectativa de que essa lista seja vencedora. Uma vez a lista sufragada, não pode ser um partido político, fora do período eleitoral, a decidir quem deve ser o substituto do governador, uma vez que o povo já decidiu por via da lista declarada vencedora.
Tudo começa em 10 de Janeiro de 2024. Nessa data, a Bancada Parlamentar da Frelimo na AR submeteu ao gabinete de Esperança Bias, a presidente da chamada “casa do povo”, um requerimento de pedido de agendamento de uma sessão extraordinária do Parlamento.
Na sequência do pedido, Esperança Bias convocou uma sessão extraordinária da Comissão Permanente (CP ), que teve lugar na segunda-feira, 15 de Janeiro, na qual a CP deliberou convocar uma sessão extraordinária do Parlamento para 24 de Janeiro para alterar algumas normas de quatro leis que fazem parte da Legislação Eleitoral aprovada em 2019, nomeadamente: a Lei n.º 5/2013, de 22 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 8/2014, de 12 de Março, que estabelece o Quadro Jurídico do Recenseamento Eleitoral Sistemático para a realização de Eleições; a Lei n.° 8/2013, de 27 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.° 2/2019, de 31 de Maio, que estabelece o quadro jurídico relativo a eleição do Presidente da República e dos deputados da Assembleia da República; a Lei n.° 3/2019, de 31 de Maio, que estabelece o regime jurídico relativo a eleição dos membros das Assembleias Provinciais e do Governador de Província; e a Lei n.° 4/2019, de 31 de Maio, que estabelece os princípios, as normas de organização, as competências e o funcionamento dos órgãos executivos de governação descentralizada provincial.
Das leis em causa chama atenção a lei que estabelece os princípios, as normas de organização, as competências e o funcionamento dos órgãos executivos de governação descentralizada provincial, que vai à revisão para reforçar o poder dos partidos políticos em relação aos membros das Assembleias Provinciais, democraticamente eleitos pelos cidadãos por via do sufrágio universal, um direito previsto na primeira parte do artigo 73 da Constituição da República de Moçambi que (CRM) e na Lei n.° 3/2019, de 31 de Maio, que estabelece o regime jurídico relativo a eleição dos membros das Assembleias Provinciais e do Governador de Província.
Nos termos do n.° 3 do artigo 37 da Lei n.° 4/2019, de 31 de Maio, que estabelece os princípios, as normas de organização, as competências e o funcionamento dos órgãos executivos de governação descentralizada provincial, “o Governador de Província é substituído definitivamente pelo membro da Assembleia Provincial que se seguir ao cabeça-de-lista do partido político, coligação de partidos políticos ou grupo de cidadãos eleitores proponentes que teve a maioria de votos” . Este comando aplica-se nos casos de impedimento ou ausência do governador, conforme os n.° 1 e 2 do mesmo artigo.
Por seu turno, o n.° 1 do artigo 38 da lei acima referida (Lei n.° 4/2019, de 31 de Maio) estabelece que no caso de morte, incapacidade permanente, renúncia, perda de mandato ou demissão, o Governador de Província é substituído5 definitivamente pelo membro da Assembleia Provincial que se seguir ao cabeça-de-lista do partido político, coligação de partidos políticos ou grupo de cidadãos eleitores proponentes que teve a maioria de votos.
A Frelimo quer alterar os n.° 1 e 3 da lei em apreço para, consequentemente, alterar o modelo de substituição, alegadamente para assegurar que o substituto do governador seja um membro da Assembleia Municipal com mérito e competência para o exercício das funções de governador.
“Em face das dificuldades que se podem apresentar, nos casos de substituição do Governador em exercício, por diversas razões previstas na Lei e tendo em consideração que ordem nominal dos integrantes da lista não corresponde ao mérito ou capacidade de governação provincial, mas, sim, respeita a vontade dos partidários proponentes das referidas listas, tal situação impõe a necessi- dade de prever a possibilidade de, em caso de vacatura, o partido político, coligação de partidos políticos e grupo de cidadãos indicar, de entre os membros integrantes da lista que compõem a Assembleia Provincial, aquele que oferece melhores garantias, em termos de conhecimento e capacidade para a governação da província”, lê-se na fundamentação do projecto de revisão da lei em apreço da iniciativa da Frelimo.
Nos termos do referido projecto, “o processo de substituição definitiva do Governador de Província, é efetuado pela lista mais votada dos membros efectivos da Assembleia Provincial, mediante processo de eleição pessoal, directa e secreta dentre os membros da referida lista, dirigido pela Mesa da Assembleia Provincial ou por uma Comissão Eleitoral Ad-hoc, criada por esta para o efeito”.
Para os casos de morte, incapacidade permanente, renúncia, perda de mandato oudemissão, o projecto da Renamo propõe que o Governador de Província seja substituído definitivamente pelo membro da Assembleia Provincial “indicado pela lista que obteve a maioria dos votos”.
Segundo a Frelimo, a possibilidade de os membros da lista vencedora concorrerem, em igualdade de circunstâncias, constitui “manifestação clara da democraticidade do processo, conferindo transparência ao processo e maior legitimidade a quem substituir o Governador de Província”.
Ora, não nos parece que esta reforma seja “manifestação da democracia”, porquanto a vontade popular deixa de ser respeitada para prevalecer a vontade partidária, com os partidos políticos a exercerem maior controlo sobre os membros das assembleias provinciais, democraticamente eleitos.
Quando os cidadãos vão votar, fazem-no tendo em conta a ordem dos nomes constantes da lista, na expectativa de que essa lista seja vencedora. Uma vez a lista sufragada, não pode ser um partido político, fora do período eleitoral, a decidir quem deve ser o substituto do governador, uma vez que o povo já decidiu por via da lista declarada vencedora.
Para o Centro para Democracia e Direitos Humanos, as reformas propostas pelo partido Frelimo representam um retrocesso democrático. Estamos perante a corrosão da infraestrutura democrática. É a destruição da democracia por dentro. A substituição de um governador eleito em sede das eleições provinciais não pode estar a cargo de um partido político. Este modelo proposto pela Frelimo acaba com a segurança jurídica dos titulares de cargos que resultam da eleição popular.
O CDD entende que a reforma pode entrar em choque com o direito ao sufrágio universal. É que a primeira parte do artigo 73 da CRM diz que o povo moçambicano exerce o poder político através do sufrágio universal, directo, igual, secreto e periódico para a escolha dosseus representantes. Já o n.° 1 do artigo 3 da Lei n.° 3/2019, de 31 de Maio, que estabelece o regime jurídico relativo a eleição dos membros das Assembleias Provinciais e do Governador de Província, estabelece que o sufrágio universal constitui a regra geral da designação dos órgãos de governação descentralizada provincial. O n.° 2 do artigo 3 do supracitado artigo refere que o sufrágio universal é um direito dos cidadãos eleitores residentes na província, recenseados na respectiva circunscrição territorial. Por isso, a sociedade tem de se mobilizar contra essa reforma que não é progresso democrático, mas um retro- cesso democrático. (CDD)