O mundo está cada vez mais em alerta, e as organizações multilaterais de ajuda humanitária tentam gerir escassos recursos para ajudar um número crescente de pessoas em condições difíceis. Entretanto, as organizações meteorológicas alertam para a ocorrência de mais eventos extremos que devem dificultar os esforços de sobrevivência.
O que nos reserva o futuro?
Está em curso uma nova fase do El Niño, fenómeno natural cíclico que os cientistas julgam (ainda sem consenso) estar a ser exacerbado pelo aquecimento global. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) da ONU alerta para o facto de o padrão meteorológico poder ameaçar vidas e devastar a agricultura nalgumas partes do mundo, nos próximos meses. Se para Moçambique há uma probabilidade mais baixa de embate de ciclones, na época que agora começa, a chuva pode, ainda assim, causar desassossego. Nalguns pontos de África, o impacto é já preocupante.
Recentemente, a imprensa internacional publicou artigos a relatar que as chuvas provocadas pelo El Niño já tinham matado mais de 100 pessoas e deslocado 770 mil. O Quénia, a Somália e a Etiópia são os países mais afectados pelos mais recentes acidentes e desastres, de acordo com a ONG Save The Children. “As inundações são o mais recente de uma série de eventos climáticos extremos que, nos últimos anos, atingiram o Corno de África, onde as crianças e as comunidades se encontram no extremo da crise climática global”, disse a ONG. Diante do problema, a Save The Children pediu uma intervenção internacional para ajudar os três países. A entidade alega que as chuvas forçaram muitas famílias a se retirarem para terras mais altas, onde não têm condições de subsistência adequadas e dependem de ajuda humanitária.
Em meados de Novembro, a OMM já havia alertado que o El Niño entrou na sua fase mais acentuada, com 90% de probabilidade de que o evento climático, como um todo, só termine em Abril de 2024. Em relação aos desastres e eventos que podem ocorrer nos próximos meses, a OMM destaca chuvas fortes e inundações, secas intensas e calor extremo, e refere que algumas partes de África poderão sofrer com precipitações acima do normal.


Perspectivas assustadoras e necessidade de apoio
África é, igualmente, o continente que mais necessita de apoio humanitário. Parte dessa ajuda chegou, recentemente, por via do Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas, que disponibilizou um total de 12,8 milhões de dólares para combater o impacto iminente de outro efeito extremo, oposto das inundações: a seca igualmente desencadeada por um efeito em cadeia com origem no El Niño. Trata-se de uma seca que pode afectar mais de 550 mil pessoas em quatro países da África Austral, nomeadamente Moçambique, Lesoto, Madagáscar e Zimbabué.
Estes 12,8 milhões de dólares são já considerados parte do maior pagamento deste tipo até à data, valor que será utilizado para implementar uma série de acções antecipadas para salvar vidas e garantir meios de subsistência aos beneficiários. Co-financiada pela Alemanha, União Europeia e Noruega, a assistência ajudará, por exemplo, a disseminar mensagens de texto de alerta precoce, a distribuir sementes tolerantes à seca e a fornecer água potável às comunidades e respectivo gado. Espera-se também que proteja o poder de compra contra a redução da produção agrícola e pecuária.
Recentemente, a imprensa internacional publicou artigos a relatar que as chuvas provocadas pelo El Niño já tinham matado mais de 100 pessoas e deslocado 770 mil
Prevê-se que o El Niño ocorra num momento em que a região já enfrenta uma considerável instabilidade, com aproximadamente 47,4 milhões de pessoas a atravessarem uma grave insegurança alimentar em partes da África Austral e Central. E, como se isto não fosse suficiente, lançam-se perspectivas, no mínimo, assustadoras: o fenómeno poderá bater recordes regionais de temperatura e défice de precipitação, atingindo o seu pico em Janeiro de 2024. Neste cenário, poderá afectar o período crucial de plantação e a colheita em Abril de 2024.
Novos recordes climáticos, novas ameaças
As últimas previsões das Nações Unidas indicam que após três anos de arrefecimento – seguindo o padrão meteorológico La Niña –, é a vez de o El Niño durar, pelo menos, até à primeira metade de 2024, o que poderá levar o mundo a bater um novo recorde de temperatura média. “O El Niño está normalmente associado a novos recordes de temperatura a nível global. Ainda não se sabe se isso vai acontecer em 2023 ou 2024, mas penso que é muito provável”, afirmou Carlo Buontempo, director do Serviço de Alterações Climáticas Copernicus da União Europeia, citado pela Reuters.
“A declaração da OMM é um sinal para os governos de todo o mundo mobilizarem preparativos”, disse Petteri Taalas, secretário-geral da organização. “Os avisos precoces e as acções de antecipação de fenómenos meteorológicos extremos” associados a este grande padrão climático “são vitais para salvar vidas” e poupar “meios de subsistência”, concluiu.
Danos à agricultura e à vida marinha
A precipitação anormal prevista para toda a América Latina está a suscitar receios no sector agrícola, de acordo com um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). As previsões para o primeiro trimestre de 2024 apontam para mais chuva do que o habitual em países como o Peru e o Equador, bem como no México, a par de condições de seca no Brasil, Guiana e Suriname.
Muitas regiões de África, que já estão ou deverão ser devastadas pelas inundações ou secas resultantes do El Niño, necessitam de ajuda humanitária para sobreviver
O actual período de seca na América Central deverá durar apenas até ao final deste ano – menos que nas previsões de seca para algumas regiões de África. O relatório sublinha, igualmente, que a agricultura, que inclui as culturas, a pecuária, as florestas e a pesca, é particularmente vulnerável, uma vez que o sector pode ter de encaixar 26% das perdas económicas durante as condições meteorológicas extremas.
Os efeitos extremos do El Niño também põem em perigo a vida marinha ao longo da costa do Pacífico, com impactos em ecossistemas no resto do mundo. Em condições normais, um fenómeno conhecido como “afloramento” traz água fresca e rica em nutrientes das profundezas do oceano. Mas, quando ocorre o El Niño, este processo é suprimido ou completamente interrompido. Isto resulta em menos alimentos para certos peixes. Em Março, os cientistas descobriram que as temperaturas globais à superfície do mar atingiram um nível recorde e o El Niño está a agravar a situação. De acordo com a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês), há 56% de probabilidades que, quando o fenómeno meteorológico estiver no auge, as temperaturas à superfície do Pacífico Oriental sejam, pelo menos, 1,5 graus Celsius mais elevadas que o normal. Noutro aspecto mais visível, as águas mais quentes provocam a descoloração dos recifes de coral, deixando-os em maior risco de morrerem.

Texto Celso Chambisso • Fotografia Istock Photo & D.R (DE)