Contextualização
COM RECURSO À VIOLÊNCIA E ABUSO DE PODER
Um grupo de cidadãos garimpeiros, membros da comunidade do povoado de Nsengueredzi, Distrito de Chifunde, na Província de Tete, com um longo historial de exploração e extracção de ouro no povoado em referência, constituiu, no ano de 2018, a Cooperativa dos Mineiros Artesanais Samora Machel (CMASM), com estatutos devidamente publicados no Boletim da República, para melhor e legalmente desenvolver a actividade de mineração na forma de cooperativismo, por recomendação das autoridades competentes, designadamente da Direcção Provincial dos Recursos Minerais e Energia de Tete. Importa referir que muito antes extraíam o ouro, informalmente, como um simples grupo de cidadãos garimpeiros.
Alguns anos depois constituíram uma associação que viera a ser transformada em Cooperativa, ora CMASM.
A CMASM passou a operar em pouco mais de 13 minas, empregando mais de 1.200 membros do povoado, seja a título permanente, seja a título precário, com uma produção mensal que chegava a sete quilogramas quando as condições eram favoráveis, e cinco quilogramas quando não eram favoráveis, sendo que o produto era comercializado na cidade de Tete.
A actividade mineira da CMASM estava claramente a contribuir para o efectivo desenvolvimento da economia do povoado de Nsengueredzi em várias vertentes, incluindo a existência de mercado próprio melhor estruturado para a venda de produtos até para abastecer os próprios garimpeiros, bem assim aumento de poder de compra. Importa referir que no ano de 2018, a CMASM construiu um alpendre para a recepção de visitas na casa do Chefe do Posto e também construiu um bloco de duas salas de aulas e respectivas casas de banho que beneficiava cerca de 150 crianças. No mesmo sentido, comprou diverso material escolar para crianças órfãs.
Em 2019, a CMASM construiu estrada de terra batida de 10 quilómetros que liga o povoado de Nsengueredzi e a comunidade de Dindane. Mais do que isso, iniciou um processo de reflorestamento da área, incluindo plantação de frutíferas, para além de ter aberto um furo de água para a comunidade e construído um centro de saúde e um posto policial.
Trata-se, pois, de cidadãos moçambicanos que não tiveram oportunidade de estudar e que vivem do garimpo legal para desenvolver as suas famílias e a comunidade em que estão inseridas, contribuindo ainda para a arrecadação das receitas do Estado através de pagamento de impostos.
Violência contra a comunidades local
No entanto, desde o início deste ano de 2023 que a CMASM está sendo violenta e humilhantemente escorraçada das minas de ouro que está a explorar legalmente em benefício da mineradora Ouro Mulamuli, Limitada, que recentemente chegou àquele povoado com força policial governamental, alegando ser a empresa titular de concessão mineira sobre aquela área desde o ano de 2021. A mineradora Ouro Mulamuli ordenou que a CMASM não deve mais praticar ali actividade mineira, facto que está a gerar um grande conflito com toda a comunidade local que encontra a sua fonte de rendimento nas minas das suas terras.
Essa empresa, representada maioritariamente por estrangeiros, juntamente com as estruturas governamentais, acusam a CMASM de estar a operar à margem da lei e de estar a invadir a área concessionada à Ouro Mulamuli, Limitada.
A comunidade local, juntamente com a CMASM, interpelaram, sem sucesso, o governo local, distrital e provincial, para intervir e ajudar na resolução do conflito gerado com a empresa Ouro Mulamuli sobre o desenvolvimento da actividade de mineração na comunidade em referência.
Estranha e curiosamente, as autoridades governamentais, com recurso à força policial e no interesse da empresa Ouro Mulamuli, destruíram os escritórios da Cooperativa, as instalações de serviços sociais que a Cooperativa construiu, como o posto de saúde, o posto policial e as salas de aulas. Mais grave ainda, 3 (três) membros dos órgãos de direcção, com destaque para o presidente da CMASM, foram criminalmente processados pela Procurador Distrital da República – Chifunde, acusados de cometimento de vários tipos de crime que incluem o crime de pesquisa e extracção ilícita de minerais, crime de poluição, associação criminosa, uso de armas proibidas, etc. Na sequência, foi legalizada a detenção dos mesmos pelo Juiz da Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Província de Tete em Março de 2023, tendo sido efectivamente detidos em Abril do mesmo ano na Penitenciária Provincial de Tete.
As vítimas viriam a ser soltos e colocados em liberdade provisória mediante prestação de caução que lhes foi arbitrada em avultados valores e que conseguiram pagar graças à solidariedade da comunidade que angariou dinheiro. A título de exemplo, o Presidente da CMASM teve de prestar caução no valor de mais de 500.000Mt (quinhentos mil meticais).
O Tribunal Judicial da Província de Tete Exclusão no acesso aos recursos minerais Resulta do artigo 102 da CRM que: “O Esta- do promove o conhecimento, a inventariação e a valorização dos recursos naturais e determina as condições do seu uso e aproveitamento com salvaguarda dos interesses nacionais.”
É nestes termos que à Administração Pública cabe servir o interesse público e respeitar os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos na sua actuação. Proteger as comunidades locais e permitir que as mesmas explorem e beneficiem diretamente dos recursos naturais existentes nas áreas onde residem é, sobretudo, materializar o princípio da prossecução do interesse público, constitucionalmente consagrado, bem como efectivar o princípio da inclusão no acesso aos recursos naturais.
A própria legislação mineira em vigor obriga o Estado a respeitar os interesses e direitos das comunidades sobre os recursos naturais, o que não está a acontecer no caso em apreço em que as autoridades estaduais estão a marginalizar e a recorrer ao abuso de poder para ameaçar, inventar processos crimes, deter e impedir membros estabeleceu determinadas obrigações para que os membros da direcção da CMASM estejam em liberdade provisória, quais sejam:
- Não exercer actividade de extracção mineira na área do povoado concedida à empresa Ouro Mulamuli, Limitada, no Distrito de Chifunde;
- Não se introduzir ou permanecer na área concedida à empresa Ouro Mulamuli, Limitada, para extracção mineira;
- Comparecer perante a autoridade competente ou manter-se à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado; d. Não mudar de residência nem dela se
ausentar por mais de cinco dias sem co- municar a nova residência onde possa ser encontrado ; e. Apresentar-se de 10 em 10 dias ao Tribunal Judicial.
Estas medidas judiciais são excessivamente injustas, com exclusivo intuído de intimidar, excluir e marginalizar as comunidades locais no que à prática da extracção mineira em questão diz respeito. Um verdadeira prática de abuso de poder.
Exclusão no acesso aos recursos minerais
Resulta do artigo 102 da CRM que: “O Estado promove o conhecimento, a inventariação e a valorização dos recursos naturais e determina as condições do seu uso e aproveitamento com salvaguarda dos interesses nacionais.”
É nestes termos que à Administração Pública cabe servir o interesse público e respeitar os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos na sua actuação. Proteger as comunidades locais e permitir que as mesmas explorem e beneficiem diretamente dos recursos naturais existentes nas áreas onde residem é, sobretudo, materializar o princípio da prossecução do interesse público, constitucionalmente consagrado, bem como efectivar o princípio da inclusão no acesso aos recursos naturais.
A própria legislação mineira em vigor obriga o Estado a respeitar os interesses e direitos das comunidades sobre os recursos naturais, o que não está a acontecer no caso em apreço em que as autoridades estaduais estão a marginalizar e a recorrer ao abuso de poder para ameaçar, inventar processos crimes, deter e impedir membros estabeleceu determinadas obrigações para que os membros da direcção da CMASM estejam em liberdade provisória, quais sejam:
- Não exercer actividade de extracção mineira na área do povoado concedida à empresa Ouro Mulamuli, Limitada, no Distrito de Chifunde;
- Não se introduzir ou permanecer naárea concedida à empresa Ouro Mulamuli, Limitada, para extracção mineira;
- Comparecer perante a autoridade competente ou manter-se à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado; d. Não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência onde possa ser encontrado e; apresentar-se de 10 em 10 dias ao Tri bunal Judicial.
Estas medidas judiciais são excessivamente injustas, com exclusivo intuído de intimidar, excluir e marginalizar as comunidades locais no que à prática da extracção mineira em questão diz respeito. Um verdadeira prática de abuso de poder.
Sexta – feira, 14 de Julho de 2023 impediram membros das comunidades locais de explorar os recursos naturais no seu próprio solo pátrio em benefício de empresas com cunho estrangeiro e com poder económico. Trata-se, pois, de uma prática de discriminação com base na condição social e económica contra as comunidades locais.
Se nos termos constitucionais cabe ao Estado determinar as condições de uso e aproveitamento dos recursos naturais com salvaguarda dos interesses nacionais, significa que o Estado moçambicano, ao determinar essas condições, deve, para o efeito, observar os princípios essenciais dos direitos humanos como a igualdade, a não discriminação, a transparência, a participação, etc, criando condições reais para o efeito.
O preceito constitucional que obriga o Estado a determinar as condições do uso e aproveitamento dos recursos naturais deixa claro que o Estado não deve deixar que determinadas pessoas tenham benefícios na exploração dos recursos naturais à custa da violação da lei, dos direitos e liberdades fundamentais e do interesse público. Caso contrário, estará a promover a marginalização de determinadas comunidades locais e outras pessoas e poderá ser responsabilizado por isso.
Aliás, pela conduta das autoridades estaduais acima descrita contra as comunidades locais e particularmente contra a CMASM, há clara violação do artigo 22º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de que Moçambique é parte no que respeita ao direito ao desenvolvimento das comunidades locais, a qual determina:
- Todos os povos têm direito ao seu desenvolvimento económico, social e cultural, no estrito respeito da sua liberdade e da sua identidade, e ao gozo igual do património comum da humanidade.
- Os Estados têm o dever, separadamente ou em cooperação, de assegurar o exercício do direito ao desenvolvimento.
As comunidades locais afectadas no caso em apreço são vítimas de denegação do seu direito ao desenvolvimento, fundamentalmente pelas barreiras que lhes são impostas de não beneficiarem adequadamente dos investimentos na exploração dos recursos naturais de que também são titulares.
- “Os povos têm a livre disposição das suas riquezas e dos seus recursos naturais.” “Este direito exerce-se no interesse exclusivo das populações.” “Em nenhum caso o povo pode ser privado deste direito.” “Em caso de espoliação, o povo espoliado tem direito à legítima recuperação dos seus bens, assim como a uma indemnização adequada.” (N.ºs 1 e 2 do artigo 21 da Carta Africana)
Notas conclusivas
A garantia de protecção dos direitos humanos e do acesso à justiça cabe, em primeira linha, ao Estado. Por isso, Moçambique é um Estado de Direito Democrático e de justiça social que tem como um dos objectivos fundamentais a edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos, em observância ao princípio da igualdade e da não discriminação, conforme determina a Constituição da República nos seus artigos 1, 3 e 11. Ademais, a função jurisdicional consiste fundamentalmente em fazer justiça e assegurar os direitos e liberdades dos cidadãos e não em ameaçar e amordaçar os cidadãos como está a fazer com os membros da CMASM, em que usa da sua autoridade para amordaçar e intimidar em conluio com os serviços públicos da Procuradoria que, na sua qualidade de garante da legalidade, deveria assistir e proteger os cidadãos, sobretudo os que estão na situação de vulnerabilidade conforme o caso.
Portanto, este é mais um caso flagrante de que urge acções estratégicas para melhor defesa dos direitos e interesses das comunidades locais no contexto da indústria extractiva, bem como sobre a efectiva responsabilização do Estado e das empresas pela violação dos direitos humanos. No mesmo sentido, leva a uma reflexão profunda sobre a quem servem os tribunais e as procuradorias da República em Moçambique no contexto do acesso à justiça. Até quando os recursos naturais vão servir os interesses estrangeiros e das elites políticas e com poderio económico e financeiro, em detrimento das condições de vida das comunidades locais que estão a ser cada vez mais empobrecidas e marginalizadas pelos recursos naturais existentes nas suas terras? É preciso acabar com a impunidade e o abuso de autoridade. (CDD)