Há uma área urgente para o País: mobilização de financiamento do sector privado para enfrentar as mudanças climáticas e apostar na “economia verde”. Moçambique deve criar um quadro legal que permita medir os recursos naturais (para se traduzirem em garantias ao investimento) e protegê-los, efectivamente
O cenário para os próximos tempos está traçado. Então, quais os caminhos que se perspectivam para Moçambique, considerando especificamente o seu perfil de fragilidade face às alterações climáticas? Uma nova época de ciclones está à porta (a partir de Dezembro) e já se sabe que haverá tempestades a assolar o País. Não há como o evitar: Moçambique está no final do percurso natural das depressões atmosféricas que circulam na bacia do oceano Índico.
O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) lançou um guião de 46 páginas – Country Focus Report 2023 –, indicando como receita a mobilização de financiamento do sector privado para enfrentar as mudanças climáticas e apostar na “economia verde”. O BAD indica que o Governo moçambicano deve dar prioridade “à gestão sustentável e à conservação do capital natural para contribuir para o financiamento climático e o crescimento verde”. O guião sugere meia dúzia de recomendações para se obterem benefícios económicos e sociais para as gerações actuais e futuras.
Por onde começar? O BAD recomenda a promoção de parcerias público-privadas para o investimento sustentável. “Fomentar a colaboração entre os sectores público e privado para atrair investimentos sustentáveis no capital natural”. Diz o Banco que a meta pode ser alcançada através de incentivos, num menu já conhecido de outros programas, mas com adaptações: “isenções fiscais, subsídios e procedimentos administrativos simplificados, que possam atrair investimento privado para projectos ecológicos, infra-estruturas resilientes às alterações climáticas e iniciativas de conservação”.
Os termos de referência mudam e passam a ser recheados com a palavra “resiliência” e indicadores capazes de medir a sustentabilidade das acções. “O Governo moçambicano deve continuar a construir para criar um ambiente de negócios propício que incentive o investimento do sector privado em projectos de capital natural”. O relatório faz referência específica a instituições financeiras de desenvolvimento nacional, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável (FNDS) e o Banco Nacional de Investimento (BNI). “Permitir que tenham acesso a financiamento internacional verde e sustentável também pode atrair mais recursos internacionais para Moçambique”.
São sugeridos programas de formação para decisores políticos, campanhas de sensibilização para as comunidades locais e a criação de plataformas para partilhar as melhores práticas e lições
Outra recomendação parece muito específica, mas faz sentido no plano da análise internacional: implementação de metodologias robustas de avaliação de ecossistemas. Moçambique deve adoptar “metodologias normalizadas” – isto é, em linha com os padrões internacionais – de avaliação de ecossistemas, para registar com precisão a contribuição económica do capital natural. Ou seja, não pode haver dúvidas sobre se uma floresta de madeira rara vale dez ou cem unidades de crédito num mercado de carbono, por exemplo. “Isto dará aos decisores políticos e aos investidores dados fiáveis para tomarem decisões informadas sobre o financiamento climático e iniciativas de crescimento verde”. No fundo, trata-se de uma forma de garantia sobre o desembolso financeiro real.
E nessas recomendações surge um trabalho de base legal e legislativa. O BAD defende um reforço dos quadros legais para conservar os recursos ambientais. “Tal inclui a adopção e aplicação de legislação que salvaguarde a biodiversidade, regulamente as práticas de utilização dos solos e promova a gestão sustentável dos recursos”. Nada que não esteja já previsto e com iniciativas em andamento.
O Banco vai ao detalhe de indicar a necessidade de um quadro nacional de financiamento verde, que incorpore “considerações ambientais e sociais na decisão financeira”. Um novo quadro para as finanças em Moçambique pode incluir medidas como obrigações verdes, swaps de obrigações climáticas, regulamentos bancários verdes e avaliações de risco ambiental “para assegurar que as instituições financeiras apoiam activamente investimentos que contribuam para a preservação do capital natural e para os objectivos de desenvolvimento sustentável (ODS)”.
Restaurar e educar
E se a protecção contra as alterações climáticas estiver na própria natureza e não apenas em construir infra-estruturas resilientes? Às vezes, é melhor restaurar o que já existiu. É o que se chama de “desenvolvimento de soluções baseadas na natureza para a adaptação e atenuação das alterações climáticas”. Na prática, canaliza-se o investimento para “soluções baseadas na natureza, que abordem simultaneamente a adaptação às alterações climáticas e a atenuação dos seus efeitos, promovendo, ao mesmo tempo, o crescimento económico”. Isto pode incluir a restauração de ecossistemas degradados (como mangais ou culturas alimentares), a implementação de práticas agrícolas sustentáveis e a promoção de projectos de energias renováveis que alavanquem os recursos naturais de Moçambique.
Mas o BAD deixa um recado importante neste guião de meia dúzia de medidas: nada se faz sem escola, sem formação, inclusivamente para os políticos. Um dos pontos do guião consiste precisamente em “reforçar a capacitação e a partilha de conhecimentos, desenvolvendo a educação das partes interessadas sobre o valor do capital natural e o seu potencial para o financiamento climático e o crescimento verde”. São sugeridos programas de formação para decisores políticos, campanhas de sensibilização para as comunidades locais e a criação de plataformas para partilhar as melhores práticas e lições.
Todo o continente está ligado
Nesta, como noutras matérias, vale a pena sublinhar o chavão – sempre oportuno – “estamos juntos”. Promover a cooperação intracontinental e um entendimento comum partilhado de como o potencial de capital natural de África pode ser desbloqueado é outra das recomendações. Como? “Utilizando uma variedade de políticas aplicadas em todo o continente africano, incluindo a promoção daquelas que estão relacionadas com os mercados financeiros”. Estes devem procurar activamente reforçar os seus regulamentos ambientais e vigiar a sua aplicação.
Nesta linha de entendimento comum, no terreno, o documento do BAD defende que “Moçambique precisa de reforçar os seus regulamentos ambientais” e isso inclui “leis mais rígidas sobre desmatamento, comércio ilegal de vida selvagem e sobrepesca, entre outros. O Governo deve também investir no reforço das capacidades e na formação dos agentes responsáveis pela aplicação da lei a diferentes níveis operacionais, desde os guardas-florestais aos agentes policiais e às autoridades aduaneiras e fiscais, no sentido de reforçar a sua capacidade de aplicar eficazmente estes regulamentos”.
Conjugar recursos minerais e florestas
O Governo deve “continuar a melhorar a sua regulamentação das operações mineiras, cobrar receitas de forma eficaz e assegurar mecanismos de controlo sólidos”. Num quadro internacional de transição energética e viragem, é preciso garantir “uma gestão óptima dos recursos minerais, maximizando as suas potenciais contribuições para a economia”, defende o relatório. Isto deve ser feito ao mesmo tempo que se tira partido das lições sobre como melhorar a gestão sustentável das florestas.
“O sector florestal tem sido o maior contribuinte em termos de rendas para o Governo na última década e é importante continuar a aproveitar o que se aprendeu, para maximizar o potencial desta actividade para o crescimento sustentável e melhoria dos meios de subsistência”, particularmente nas zonas rurais. Sem surpresa, o documento apela ao combate da exploração madeireira ilegal e sugere a promoção activa da reflorestação e empenho na “gestão florestal responsável” para salvaguardar os valiosos recursos espalhados pelo país. Mitigar a degradação ambiental e promover a sustentabilidade económica e ecológica a longo prazo é um objectivo que, mais do que nunca, deve estar presente na acção diária de todos os decisores em Moçambique.
Texto Redacção • Fotografia D.R