Processo arquivado, armas seguem para Cabo Delgado, mas dúvidas persistem! Nos termos do Decreto n.º 8/2007, de 30 de Abril – Regulamento de Armas e Munições, a licença de importação de armas e munições é concedida pelo Ministro do Interior. Os pedidos de importação de armas e munições são formulados em separado, descriminando os produtos a importar, sua origem, nome e marca do fabricante ou do fornecedor, características e quantidades, estância aduaneira por onde deve correr o respectivo despacho e referência do número do alvará do importador. As entidades autorizadas para importação, exportação, reexportação, reimportação e trânsito devem possuir, no seu quadro de pessoal, técnicos com formação adequada, validada pelo Ministério do Interior.
Assumindo que a empresa GardaWorld Mozambique Lda discriminou as armas a importar, sua origem, nome e marca do fabricante ou do fornecedor, características e quantidades, e obteve a autorização do Ministro do Interior, como é que se explica que o SERNIC tenha apreendido as 32 armas sob a alegação de que as mesmas eram do uso exclusivo das FDS? E se a importação das armas era de todo legal e a sua apreensão resultou da falta de coordenação institucional como alegou o Comandante-Geral da PRM, porquê razão esse erro não foi corrigido de imediato? Como se explica que o GCCCT tenha aberto um processo (processo 24/GCCCOT/2022) e levou quase um ano para concluir que a importação das 32 armas era legal? O processo foi arquivado, as armas seguem para proteger a indústria de rubis em Cabo Delgado, mas há dúvidas por esclarecer…
Em Agosto de 2022, o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) anunciou a apreensão de 32 armas de fogo de alto calibre importadas por uma em presa de segurança privada que opera em Cabo Delgado. As armas foram apreendidas na fronteira de Ressano Garcia, a maior entre Moçambique e África do Sul. Na altura, as autoridades explicaram que o porte e transporte daquele tipo de armamento era da exclusiva competência do Ministério da Defesa Nacional, uma vez que tinham um calibre superior ao das AKM usadas pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS).
Na operação, o SERNIC deteve quatro pessoas, nomeadamente o motorista da viatura que transportava as armas, o despachante aduaneiro que tratou do desembaraço aduaneiro e o representante da empresa que importou o armamento. A empresa importadora explicou que a importação das armas era legal e que as mesmas seriam usadas em Cabo Delgado na prestação de serviços de segurança para uma multinacional.
Dias depois, o Comandante-Geral da PRM apareceu a dizer que a importação das armas era legal e que a apreensão resultou da falta de coordenação interna. Bernardino Rafael explicou que as 32 armas eram de calibre 12 e não eram, por isso, armas de guerra . Apesar de ter garantido que as armas tinham documentação legal emitida pelos órgãos competentes à luz do Decreto n.º 8/2007, de 30 de Abril, Regulamento de Armas e Munições, e do Decreto n.º 9/2007, de 30 de Abril, Regulamento de Empresas de Segurança Privada, o assunto passou para o Gabinete Central
Assumindo que a empresa GardaWorld Mozambique Lda discriminou as armas a importar, sua origem, nome e marca do fabricante ou do fornecedor, características e quantidades, e obteve a autorização do Ministro do Interior, como é que se explica que o SERNIC tenha apreendido as 32 armas sob a alegação de que as mesmas eram do uso exclusivo das FDS? E se a importação das armas era de todo legal e a sua apreensão resultou da falta de coordenação institucional como alegou o Comandante-Geral da PRM, porquê razão esse erro não foi corrigido de imediato? Como se explica que o GCCCT tenha aberto um processo (processo 24/GCCCOT/2022) e levou quase um ano para concluir que a importação das 32 armas era legal? O processo foi arquivado, as armas seguem para proteger a indústria de rubis em Cabo Delgado, mas há dúvidas por esclarecer…
1 https://integritymagazine.co.mz/arquivos/2649
2 https://www.folhademaputo.co.mz/pt/noticias/nacional/bernardino-rafael-garante-que-as-32-armas-apreendidas-na-provincia-de-maputo-sao-legais/ de Combate à Criminalidade Organizada e Transnacional (GCCCOT), órgão subordinado à Procuradoria-Geral da República (PGR).
Segundo escreve o semanário Canal de Moçambique, edição de 16 de Agosto, o GCCCOT abriu o processo 24/GCCCOT/2022, com quatro arguidos, nomeadamente o casal sul-africano Morgan Pillay e Laaiqua Ally, Gilberto Uamusse e a empresa importadora GardaWorld Mozambique. Durante a investigação, o GCCCOT apurou que na importação das 32 armas foram cumpridos todos os procedimentos aduaneiros e a empresa importadora obteve as devidas autorizações do Comando-Geral da PRM para a compra e importação do armamento.
Não havendo matéria para julgar, o processo 24/GCCCOT/2022 foi arquivado e as armas serão entregues à GardaWorld Moçambique Lda, empresa que presta serviços de segurança privada à Montepuez Ruby Mining (MRM). Controlada pela britânica Gemfields (75%) e pela moçambicana Mwiriti Limitada (25%), a MRM é a empresa que há 10 anos explora os maiores depósitos de rubi do mundo em Cabo Delgado, província que é palco do extremismo violento desde Outubro de 2017.
O que diz o Regulamento de armas e munições? A detenção, uso e porte, a importação e exportação de armas de fogo e munições por cidadãos moçambicanos ou estrangeiros no território nacional é regulado pelo Decreto n.º 8/2007, de 30 de Abril – Regulamento de Armas e Munições. Nos termos do artigo 6 do decreto supracitado, consideram-se armas de guerra o equipamento, as armas e munições em uso ou destinados às FDS e incluem:
- a) Armas portáteis desenhadas para utilização por várias pessoas, actuando como uma dotação; metralhadoras pesadas; canhões; canhões auto propulsados; morteiros de menos de 100 mm de calibre; lança- granadas; armas antitanques e lança-raquetes; armas de recuo; armamento antiaéreo; armas de defesa aérea; veículos automóveis ou reboques de qualquer natureza especialmente preparados para receber ou ser equipados com armas de fogo, bem como os protegidos com blindagem ou couraça com mais de 5 mm de espessura.
Consideram-se também armas de guerra as metralhadoras ligeiras; metralhadoras semiautomáticas; pistolas-metralhadoras; espingardas automáticas e semiautomáticas de assalto; pistolas de calibre superior a 7,65mm, cujo comprimento de cano exceda 10 cm; revólveres de calibre igual ou superior a 9 mm, ou de comprimento de cano superior a 10 cm; espingardas de alma estriada, de calibre igual ou superior a 6,5 mm; armas de tiro automático de qualquer natureza; e quais quer outras armas de fogo ligeiras ou pesa- das afectas a fins exclusivamente militares.
Além de armas de guerra, o Decreto n.º 8/2007, de 30 de Abril, regula igualmente o porte e uso de armas de defesa pessoal; armas de precisão; armas de caça; armas de recreio; armas de ornamentação; armas de valor estimativo; armas brancas; armas de competição de grosso calibre; e armas sem classificação.
Entretanto, o decreto não esclarece que tipo de armas as empresas de segurança privadas devem usar nas suas operações. No n.º 1 do artigo 22, o decreto estabelece que o porte e uso de armas de fogo por vigilantes de empresas de segurança privada carece de licença específica, concedida pelo Comandante-Geral da PRM. A licença é válida por um ano, renovável mediante apresentação de certificados de registo criminal, policial e certificado de aproveitamento de carreira de tiro. Os vigilantes de empresas de segurança privada só podem ser portadores de armas de defesa quando estiverem em serviço de guarda-costas, protecção de bancos, casas de câmbio, em acompanhamento de veículos de transporte de fundos e valores e nos casos de reacção rápida (n.º 3 do artigo 22).
Na verdade, o n.º 3 do artigo 22 (que versa sobre o porte e uso de armas por vigilantes de empresas de segurança privada) do Decreto n.º 8/2007, de 30 de Abril, faz notar os vigilantes de empresas de segurança privada só podem ser portadores de armas de defesa quando estiverem em serviço, mas não especifica se as armas de defesa são aquelas definidas como sendo de defesa pessoal. Nos termos do artigo 7 do decreto, são armas de defesa pessoal: a) As pistolas semiautomáticas de calibre não superior a 7,65 mm, cujo comprimento do cano não exceda 10 cm; b) As pistolas até calibre 6,65 mm, cujo comprimento do cano não exceda 8 cm; c) Os revólveres de calibre inferior a 9 mm, cujo comprimento do cano não exceda 10 cm; d) Os revólveres de calibre não superior a 9 mm,cujo comprimento do cano não exceda 5 cm.
As armas 32 armas que tinham sido apreendidas na fronteira de Ressano Garcia em Agosto de 2022 eram de calibre 12, pelo que não podem ser consideradas armas de defesa pessoal. Recorde que as armas foram importadas pela GardaWorld Mozambique Lda, empresa internacional de segurança privada.
Entretanto, o decreto diz, no artigo 21, que às pessoas colectivas públicas ou privadas, onde se torne indispensável o uso de armas de fogo, podem ser autorizadas a adquirir as armas permitidas neste regulamento, exclusivamente para o fim requerido. Mas não está claro a que armas de fogo o artigo faz referência. São armas de fogo de defesa pessoal? Ou são armas de guerra em uso ou destinadas às FDS?
Importação de armas é autorizada pelo Ministro do Interior Nos termos do n.º 1 do artigo 47 do Decreto n.º 8/2007, de 30 de Abril – Regulamento de Armas e Munições, a licença de importação, exportação, reexportação, reimportação e trânsito de armas completas ou incompletas e peças separadas, munições de pistolas de alarme é concedida pelo Ministro do Interior. O movimento de armas e munições referidas no número anterior é efectuado através dos Serviços das Alfândegas. A importação das armas e produtos referidos neste artigo far-se-á por meio de espingardarias devidamente licenciadas, mediante o pagamento de uma taxa por cada unidade dos artigos importados.
Os pedidos de importação de armas e munições deverão ser formulados em separado, descriminando os produtos a importar, sua origem, nome e marca do fabricante ou do fornecedor, características e quantidades, estância aduaneira por onde deve correr o respectivo despacho e referência do número do alvará do importador. As armas em trânsito estão sujeitas à fiscalização pelas autoridades moçambicanas. As entidades autorizadas para o exercício das actividades de importação, exportação, reexportação, reimportação e trânsito deverão possuir, no seu quadro de pessoal, técnicos com formação adequada, validada pelo Ministério do Interior.
Assumindo que a empresa GardaWorld Mozambique Lda discriminou as armas a importar, sua origem, nome e marca do fabricante ou do fornecedor, características e quantidades, e obteve a autorização do Ministro do Interior, como é que se explica que o SERNIC tenha apreendido as 32 armas sob a alegação de que as mesmas eram do uso exclusivo das FDS? E se a importação das armas era de todo legal e a sua apreensão resultou da falta de coordenação institucional como alegou o Comandante-Geral da PRM, porquê razão esse erro não foi corrigido de imediato?
Como se explica que o GCCCT tenha aberto um processo (processo 24/GCCCOT/2022) e levou quase um ano para concluir que a importação das 32 armas era legal?
Estas questões levantam dúvidas e reforçam a necessidade de Moçambique reformar o sector de segurança privada, conforme estabelecido no Quadro de Políticas da União Africana para a Reforma do Sector de Segurança em África. A reforma do sector de segurança refere-se ao processo através do qual os países formulam ou reorientam as políticas, estruturas e capacidades das instituições e grupos envolvidos no sector de segurança, no sentido de as tornar mais eficazes, eficientes e sensíveis ao controlo democrático e às necessidades de segurança e justiça do povo.
Para a efectiva implementação dessas reformas, duas questões devem ser observadas: (i)
Supervisão legislativa do sector de segurança – que consiste em a Assembleia da República elaborar e aprovar leis, regras e regulamentos das instituições do sector de segurança, estabelecer e mandatar comissões especializadas para executar a supervisão em seu nome e para a manter regularmente informada; (ii)O controlo e a supervisão judicial que visam restringir o uso de poderes intrusivos do sector de segurança que não estejam estabelecidos na Constituição e demais leis . (CDD)