Teve lugar recentemente na cidade de Maputo 4a Conferência Internacional sobre Rios e Barragens onde estiveram presentes vários segmentos da sociedade desde organizações da sociedade civil, comunidades de base, advogados, académicos, especialistas e outros de várias províncias moçambicanas assim como de países como a África do Sul, Zimbabwe, Zâmbia, República Democrática do Congo, Uganda, Nigéria, Camarões, Sri Lanka, Filipinas, Brasil, Cuba, França, Irlanda, Suíça e Bósnia-Herzegovina
Na declaração de Maputo sobre Rios e Barragens as organizações assim como pessoas singulares pressentes denunciaram as violações dos direitos humanos das comunidades afectadas por barragens em todo o mundo, incluindo as injustiças do passado que ainda não foram reparadas. Reiteramos que qualquer luta em defesa dos territórios e dos direitos humanos é legítima, justa e necessária. Denunciamos especificamente a intimidação e perseguição das comunidades locais pelos proponentes do projecto da barragem de Mphanda Nkuwa, em Moçambique, por se terem manifestado e resistido a este projeto e reafirmamos a nossa solidariedade para com todas as populações afectadas.
No evento tambem apelaram aos governos, às empresas, aos financiadores, aos órgãos das Nações Unidas para que suspendam a construção de todos os projectos de barragens nos nossos rios até que as orientações da Comissão Mundial de Barragens (CMB) sejam plenamente respeitadas, e desmantelar todas as barragens antigas e ineficazes, corrigindo simultaneamente as injustiças cometidas no passado por essas barragens.
Rios para a vida, não para a morte!
Reconhecendo o historial de décadas de lutas contra as barragens, segundo organização da conferencia esta declaração inspira-se na declaração de Manibeli 1992, Curitiba 1997, Rasi Salai 2003 e Temaca, 2010, e seguimos rumo ao quarto Encontro Internacional dos Povos Atingidos por Barragens, a ter lugar na Amazónia Brasileira, em 2025.
Constatamos que vivemos num sistema capitalista, imperialista, neocolonial, patriarcal e racista que é o principal inimigo dos rios e das comunidades, que coloca o lucro acima da vida e se apodera dos territórios e bens comuns. Comprometemo-nos a construir uma alternativa a este sistema de morte, violência e destruição, e a continuar a mobilização a todos os níveis para um modelo energético dos povos, em defesa da vida, da paz, da saúde, da educação, da água, da energia, da alimentação e do trabalho digno. Defendemos a solidariedade internacionalista, a mudança de sistema e o poder dos povos.
Denunciamos as violações dos direitos humanos das comunidades afectadas por barragens em todo o mundo, incluindo as injustiças do passado que ainda não foram reparadas. Reiteramos que qualquer luta em defesa dos territórios e dos direitos humanos é legítima, justa e necessária. Denunciamos especificamente a intimidação e perseguição das comunidades locais pelos proponentes do projecto da barragem de Mphanda Nkuwa, em Moçambique, por se terem manifestado e resistido a este projeto e reafirmamos a nossa solidariedade para com todas as populações afectadas.
200 milhões de pessoas em todo o mundo deslocadas devido a construção de barragens
Foram varias preocupações levantadas com referencia para as mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo já foram deslocadas devido a projectos de barragens, enquanto outros milhões perderam os seus meios de subsistência. A África, a Ásia e a América Latina são as regiões mais afectadas pelas barragens, com muitas pessoas deslocadas. Em África, por exemplo, 57.000 pessoas no Zimbabué e na Zâmbia foram deslocadas pela barragem de Kariba no final dos anos 50; 100.000 pessoas no Egipto e no Sudão pela barragem de Assuão; 80.000 pessoas no Gana pela barragem de Akosombo e milhares na República Democrática do Congo por Inga I e II. Na Ásia, por exemplo, a barragem de Sardar Sarovar, no rio Narmada, na Índia, desalojou 200.000 pessoas; a barragem das Três Gargantas, na China, desalojou 1,2 milhões de pessoas; a barragem de Kaliwa, nas Filipinas, vai inundar 28.000 hectares de floresta no domínio ancestral dos povos indígenas, e muitas outras.
‘Preocupa-nos o facto de que os direitos humanos das comunidades afectadas pelas barragens, em particular dos povos indígenas, são sistematicamente violados. Estas comunidades são vítimas de assédio, intimidação, encarceramento e outros abusos. As indemnizações são geralmente injustas, inadequadas e tardias, se é que acontecem.”
Segundo declaração refere que com o agravamento da crise da mudança climática , a indústria hidroeléctrica está a tentar relançar as grandes barragens como uma fonte de energia amiga do clima, mas nada poderia estar mais longe da verdade. As albufeiras das barragens, sobretudo nas regiões tropicais, são uma fonte globalmente significativa de metano, um potente gás com efeito de estufa. Os rios que correm livremente, por outro lado, desempenham um papel crucial na captura de carbono. As barragens são particularmente vulneráveis às cheias e secas – cuja frequência e gravidade só aumentam com as mudanças climáticas – aumentando o risco de ruptura das barragens durante as cheias e de cortes de energia quando as albufeiras secam. Além disso, as grandes albufeiras das barragens inundam florestas e terrenos agrícolas e destroem a biodiversidade e a pesca, deixando secas as zonas húmidas e as florestas a jusante. Estes impactos agravam a capacidade de adaptação às mudanças climáticas dos ecossistemas e das populações indígenas e rurais que deles dependem.
“Registamos com preocupação que, agora, a indústria hidroeléctrica está de novo a tentar requalificar as barragens como verdes, promovendo a energia hidroeléctrica como uma fonte de combustível fundamental para o hidrogénio. Esta é mais uma falsa solução que acarreta enormes riscos e não foi concebida para fornecer energia às populações locais, mas sim para exportação para mercados estrangeiros.
E o leque de denuncias continua com as instituições financeiras internacionais, os bancos e as empresas que se dedicam ao financiamento e à construção de barragens também visadas por ignorar os impactos negativos para os povos e o planeta.
“Entendemos que não só as mega-barragens, mas também as pequenas barragens e os projectos a fio de água têm impactos ambientais e sociais negativos na sociedade e nos ecossistemas. A energia hidroeléctrica é apresentada como energia limpa, mas a sua construção e utilização provocam danos permanentes no ambiente e destroem os ecossistemas dependentes dos rios.
Sentimo-nos encorajados pelo relatório da Comissão Mundial de Barragens (CMB), divulgado pelo Presidente Nelson Mandela há 23 anos, em 2000, cujas principais conclusões demonstraram que os alegados benefícios das grandes barragens são regularmente prejudicados por custos excessivos e atrasos, enquanto a maioria das barragens, em especial no Sul global, tem um desempenho insuficiente, e que os custos sociais e ambientais das barragens suportados pelas comunidades afectadas, pelas comunidades a jusante, pelos contribuintes e pelo ambiente natural têm sido “inaceitáveis e frequentemente desnecessários”.
Da conferencias saíram as seguintes recomendações:
Apelamos veementemente aos governos, às empresas, aos financiadores, aos órgãos das Nações Unidas para:
Suspender a construção de todos os projectos de barragens nos nossos rios até que as orientações da Comissão Mundial de Barragens (CMB) sejam plenamente respeitadas, e desmantelar todas as barragens antigas e ineficazes, corrigindo simultaneamente as injustiças cometidas no passado por essas barragens.
Acabar com o financiamento internacional e os subsídios públicos para projectos de barragens, por parte do Banco Mundial, Belt Road/Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas, Banco Africano de Desenvolvimento, e outros.
Abordar as injustiças históricas perpetradas contra comunidades deslocadas durante as últimas gerações, pelas barragens de Narmada, Belo Monte, Inga I e II, Kariba, e contra outras vítimas de deslocações de barragens em todo o mundo.
Proteger as terras, as florestas e outros direitos dos povos indígenas e das comunidades locais, incluindo os direitos costumeiros.
Concentrarmo-nos no acesso à energia para quase 800 milhões de pessoas em todo o mundo, 600 milhões das quais em África. Exigimos opções de energia renovável de posse comunitária e localmente apropriadas, em vez de grandes barragens prejudiciais.
Acabar com a criminalização das comunidades afectadas por barragens e das suas lutas, e com a militarização em zonas afectadas por barragens.
Garantir o consentimento livre, prévio e informado (CLPI) dos povos indígenas e das comunidades afectadas, incluindo o seu direito a dizer NÃO.
Aderir às directrizes da Comissão Mundial de Barragens (CMB) para a participação e consulta pública na tomada de decisões relacionadas com os rios e a água em todas as fases do planeamento.
Assegurar que as barragens existentes tenham caudais ecológicos aceitáveis e que a biodiversidade, as espécies naturais e os habitats sensíveis sejam protegidos e não transformados em mercadorias, como uma verdadeira solução para enfrentar a crise climática.
A rápida finalização, adopção e implementação de um tratado vinculativo da ONU que seja forte e eficaz para acabar com a impunidade das empresas transnacionais, que seja relevante e apropriado para responder às lutas das comunidades camponesas, dos pescadores e das pessoas afectadas pelo extractivismo no Sul global.
Acabar com a exportação dos recursos de África e do Sul global, incluindo o hidrogénio, para benefício de outros. (Moz24h/JA)